Entrevista sobre Reforma Tributária

Por Guilherme Follador

Após 30 anos de discussão, a Câmara dos Deputados aprovou, em 7 de julho, a primeira fase da Reforma Tributária. O principal mote da reforma é a simplificação, tanto que a “simplicidade” passa a figurar expressamente como um dos princípios do Sistema Tributário Nacional.

A necessidade de simplificação é real, o sistema é muito complexo. A legislação de alguns tributos, especialmente o PIS e a COFINS, o ICMS e o ISS, é particularmente complicada, mesmo para quem lida diariamente com o tema. Não é por acaso que o Brasil é o campeão mundial em tempo despendido pelas empresas para apurar e pagar seus tributos.

São justamente esses quatro tributos, ao lado do IPI, os principais alvos da primeira fase da reforma. Pelo texto aprovado, esses cinco tributos serão substituídos ao longo de 10 anos por dois: uma contribuição sobre bens e serviços (CBS), de competência da União, e um imposto sobre bens e serviços (IBS), de competência dos Estados e dos Municípios.

A simplificação deve ocorrer ao final, mas é preciso levar em conta que a transição durará até 2033, e, nesse ínterim, muita coisa pode mudar. Ainda, nesse intervalo haverá um sistema particularmente complicado, em que conviverão o antigo e o novo.

Além disso, uma parte importante da regulação do IBS ficou para ser disciplinada por lei complementar e por atos normativos do Conselho Federativo, que reunirá Estados e Municípios. Então, a efetividade dessa promessa de simplificação também dependerá muito do que será estabelecido nestas normas.

Um exemplo do que terá de ser objeto de regulação por lei complementar é o regime de cashback, pelo qual haverá a devolução de todo ou de parte do valor do imposto para as pessoas mais necessitadas. É difícil antever como isso será feito, provavelmente será algo parecido com o que ocorre no Nota Paraná ou no NFl Paulista.

Além da simplificação, a mudança promete reduzir a “guerra fiscal”, já que haverá uma proibição, ao menos em termos gerais, à concessão de benefícios fiscais relativos ao IBS.

Ocorre que as mudanças não param por aí. Além de algumas mudanças menores no ITCMD, no IPVA e no IPTU, a reforma prevê também, por exemplo, a introdução do chamado imposto seletivo, que, segundo o texto, será utilizado para desestimular o consumo de bens e serviços nocivos à saúde ou ao meio ambiente.

Esse é o grande “cavalo de Troia” da reforma. Primeiro, porque as expressões “saúde” e “meio ambiente” podem abranger qualquer coisa. O Prof. Luís Eduardo Schoueri até brinca que só vai ficar a salvo do imposto a rúcula orgânica. Além disso, esse tributo poderá ter a mesma hipótese de incidência e a mesma base de cálculo de outros tributos, e as alíquotas dele poderão ser fixadas, dentro de certos limites, por ato do Presidente. Como se não bastasse, ele vai poder integrar a base de cálculo do ICMS e do ISS enquanto existirem e, depois, do IBS e da CBS. Ou seja, esse imposto é um perigo!

A transição entre a substituição dos cinco tributos atuais pela CBS e pelo IBS se dará a partir de 2026 (IBS) e 2027 (CBS), e será gradativa. Em 2027 ocorrerá a extinção do PIS e da COFINS, e em 2033 a do IPI, do ISS e do ICMS. Porém, a introdução do imposto seletivo e as alterações naqueles outros tributos mencionados podem ocorrer desde já!

Diante desse cenário, todos terão de fazer contas, e essas contas não serão simples. A expectativa é a de que se beneficiem as empresas que têm cadeia produtiva mais longa, porque os principais tributos – a IBS e o CBS – serão não cumulativos e com uma não cumulatividade mais ampla do que a atual. Então, quem precisa de muitos insumos, de muitas etapas anteriores na sua cadeia de produção, provavelmente terá mais benefícios porque poderá tomar créditos de todas essas entradas. Em especial, a reforma deve ser benéfica para a indústria.

Quanto às pequenas e médias empresas, é provável que todas elas tenham de rever a opção por migrar do regime do Simples Nacional para o regime do lucro presumido se ele se mantiver, ou o contrário. Isso porque, de um lado, haverá um aumento da tributação para quem tiver uma cadeia curta. De outro lado, haverá um crescimento da importância dos créditos.

Uma coisa é certa: a reforma vai estimular a formalização das atividades, justamente porque os créditos embutidos nas notas fiscais terão um impacto importante na escolha dos clientes, das empresas (pela possibilidade de reduzir a sua carga) e dos consumidores (por conta da eventual possibilidade das compras gerarem um cashback).

A previsão da forma de tributação das empresas é no sentido de manutenção do Simples Nacional. Certamente haverá impactos para as empresas do setor, mesmo sendo difícil mensurá-los já que dependerá muito das alterações na lei complementar.

Em princípio, as empresas do Simples Nacional poderão optar entre incluir ou não a CBS e o IBS no seu regime de apuração. Se não incluir, provavelmente terá um aumento da sua carga. Se incluir, terá uma possível redução da competitividade, porque hoje o regime de creditamento do PIS/COFINS é base contra base, ou seja, o cliente pega a nota emitida e apura o seu crédito aplicando um percentual sobre o valor da nota. No entanto, no regime da CBS não será assim. O contratante da empresa do Simples Nacional só poderá apropriar como crédito a parte do valor destacado correspondente à CBS e ao IBS. Se hoje já há empresas que preferem não contratar as do Simples Nacional por conta da diferença no valor do crédito, isso pode se agravar na nova sistemática.

Contudo, a categoria que provavelmente será mais afetada pelas mudanças é a dos prestadores de serviços e profissionais liberais, tendo em vista que são empresas com cadeia curta, que não têm muitos créditos para contrapor à CBS e ao IBS devidos na saída, e a perspectiva é que sofram um substancial aumento na tributação. O principal insumo dessas empresas é a mão-de-obra assalariada, que não dá direito a crédito nenhum. Quando contratarem com empresas do regime normal de apuração, a diferença competitiva até pode vir a ser compensada em alguma medida pelos créditos que serão gerados para a contratante. Porém, quando forem contratadas por pessoas físicas ou por pessoas do Simples Nacional que não adotarem a sistemática de apuração normal do CBS e do IBS, o aumento da carga será inevitável.

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