Assembleias virtuais e cooperativismo: o que vem por aí?

Por Micheli Mayumi Iwasaki

A pandemia do coronavírus trouxe consigo uma avalanche normativa, cujos atos e efeitos são processados em lapso temporal muito reduzido e de forma absolutamente atípica, o que se justifica pelo contexto da calamidade pública.

A recente publicação da Medida Provisória 931/2020 autorizou a realização de AGO até o final de julho, de modo excepcional, assim como a realização de reuniões de assembleias virtuais mediante a regulamentação do DREI – Departamento Nacional de Registro Empresarial.

Ato contínuo à sua publicação, o Congresso Nacional editou ato conjunto das mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal que regulou o regime de tramitação sumário e simplificado às medidas provisórias. A MP 931/2020 recebeu as propostas de emendas e segue para deliberação dos plenários, sem a intervenção de Comissão Mista. Se aprovada, a próxima etapa será a sanção ou veto presidencial.

No dia subsequente à publicação da MP, o DREI publicou edital com consulta pública sobre a minuta de instrução normativa a regular a participação e votação à distância em reuniões e assembleias para as sociedades anônima fechada, de responsabilidade limitada e cooperativa.

Na proposta do DREI para a regulamentação das assembleias de cooperativas é possível problematizar alguns pontos principais e que foram sugeridos ao órgão por meio da consulta pública.

1) A minuta propõe a mesma normativa para as sociedades empresárias sem observar algumas especificidades das cooperativas. Diante do costume consolidado de realização de reuniões pré-assembleares com os associados, a Instrução Normativa poderia reconhecer o ato e lhe atribuir valor jurídico no modelo semipresencial, em que os atos ocorrem em momentos distintos, para ratificação por ocasião da assembleia.

2) A exigência de certificação digital ou “qualquer outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos de forma eletrônica” para assinatura do ato é incompatível com a realidade material de uma enormidade de cooperados, especialmente do ramo agropecuário. Há um evidente óbice em razão da ausência de serviços de internet em áreas rurais, de modo que a forma e o meio de manifestação da vontade do associado deve ser proposta de acordo com tal realidade, em concreto.

É preciso consignar sobre a existência do PL 1.179/2020 que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) que tramita em regime de urgência e já foi aprovado no Senado. Nele consta uma ampliação da possibilidade de realização de assembleias por meios eletrônicos que se estende para todas as espécies de sociedades, associações e fundações – nos termos do substitutivo que segue para a Câmara dos Deputados.

Sobre o impacto do RJET no cooperativismo, caso venha a ser aprovado, cumpre destacar que o prazo é estendido para 30.10.2020 e há uma regulação mais genérica para a realização da assembleia ao indicar que “a manifestação de participantes poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, e produzirá todos os efeitos legais de uma assinatura presencial” (art. 5º, parágrafo único, PL substitutivo).

A previsão de possibilidade de realização por meio eletrônico em termos mais gerais e a ser definido pela figura do administrador torna o instituto mais amplo e adaptável à realidade concreta da sociedade, associação ou fundação, cujas características socioeconômicas, assim como no cooperativismo em geral, são das mais diversas possíveis.

A ausência de obrigatoriedade de certificação digital tal qual proposto de imediato pelo DREI torna o mecanismo muito mais factível. O RJET também prevê a regulamentação desse mesmo órgão para as sociedades, mas específico para esse regime de transição (art.15, §2º, PL substitutivo), de modo que a principal diferença é a ausência de caráter definitivo para o período pós-pandemia.

Outro aspecto importante a ser destacado é a inclusão de associações, tipo de pessoa jurídica de direito privado no qual se enquadram as entidades de representação do cooperativismo. Em que pese a MP 931/202 tenha prorrogado o prazo para a realização de assembleias e respectivos mandatos, tal qual para as cooperativas, as entidades de representação não seguem o regime societário das cooperativas, sendo reguladas pelo Código Civil no que tange à sua personalidade jurídica e obrigações civis.

Assim, caso o RJET venha a ser aprovado e sancionado nos termos em que se encontra, as unidades estaduais e nacional do cooperativismo também estarão autorizadas a realizar assembleias por meio remoto. No caso das cooperativas, caso haja reprovação ou decadência da MP, também haverá a aplicação da prorrogação do prazo para AGO até 30.10.2020 e a possibilidade de assembleia virtual, mas neste caso, sem que a regulamentação pelo DREI seja uma condição compulsória.

Essas ponderações se fazem necessárias para avaliação sobre a convocação das assembleias, visto que a velocidade da tramitação dos processos legislativos e regulamentação pelo DREI ocorrem de forma simultânea, tendo diferentes obrigações para o cooperativismo. Por isso, é preciso ficar atento às constantes modificações e seus efeitos no tempo.

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