* por Isabella Bittencourt Mäder Gonçalves Giublin
A governança corporativa, ou a corporate governance (a nomenclatura que deu origem àquela), em sua tradução literal significa, sem floreios, a administração da companhia.
Porém, no Brasil, a governança corporativa foi tratada com significado um pouco mais amplo, que ultrapassa a ideia de administração escorreita pela companhia, mas vislumbra a assunção de obrigações pelos administradores, que vão além daquelas impostas pela legislação, materializadas no estatuto social. Significa a transparência dessa administração, a definição de estratégias e a política empresarial, incluindo-se aqui, também, o enfoque na maior remuneração dos acionistas, não bastanto, portanto, a mera boa gestão de custos.
As regras de governança corporativa no Brasil, embora já existissem estampadas na figura do gestor da empresa familiar e nos primeiros conselhos de administração que surgiram no país, ganharam destaque com a edição da Lei das S/A (Lei nº 6.404/76), que ampliou os instrumentos de fiscalização pelos acionistas e conferiu maior proteção aos minoritários. Além disso, previu a possibilidade de instituir a arbitragem, dentre outros aspectos que vieram a alavancar a estrutura das companhias, quando mais agregado ao advento no atual Código Civil, em que o assunto passou a deambular as demais sociedades, em especial, as sociedades limitadas, com mudanças no formato de prestação de contas, gestão, dentre outros, além da introdução do Novo Mercado, em que se previu maiores obrigações para as companhias.
Após, com o advento da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e de Falência), ficou ainda mais clara a importância da governança corporativa para a preservação da atividade empresarial na recuperação da empresa, uma vez que essa está intimamente ligada à proteção e ao atendimento das demandas presentes na atividade empresarial, visando reestabelecer as atividades desenvolvidas pela empresa em recuperação.
Pode-se dizer diante disso, que são exigidas, pelos investidores privados, a adoção, pelas empresas, de boas práticas de governança corporativa, que vão desde critérios de desempenho financeiro até a responsabilidade social e ambiental.
Já no âmbito da administração pública, a governança corporativa passou a entrar em voga a partir da Lei nº 11.079/2004, com a Lei das Parcerias Público Privadas, que, além de aplicar-se às sociedades de propósito específico constituídas para tal finalidade, passou a prever que o poder público deve se submeter à determinadas regras descritas no edital de licitação.
Mas foi com o a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) e agora com a publicação da Lei nº 13.303/16 (Lei das Estatais) que a governança corporativa recebeu seu maior destaque.
Com os recentes escândalos de corrupção, a necessidade de se criar mecanismos para se tentar diminuir os esquemas que vem assolando o país é ainda mais pujante, a daí o porquê da Lei ter sido aprovada às pressas, talvez sem a detida e merecida atenção.
Já na leitura inicial da Lei das Estatais, no art. 1º, pode-se observar uma série de questões bastante polêmicas.
Um primeiro ponto, diz respeito à questão da competência da União para criar normas de empresas dos estados da federação, do distrito federal ou dos municípios. Nesse ponto, indaga-se, se seria a União o ente responsável por criar norma para disciplinar atos – de gestão, principamente – de órgãos dos demais entes da federação. É que o art. 173 da Constituição Federal, que trata do estatuto jurídico da empresa pública e da sociedade de economia mista, salvo melhor juízo, não admite que a União edite normas de tal natureza, de modo privativo (art. 22, da Constituição Federal).
Além disso, como o próprio §3º da Lei menciona, caberá aos Poderes Executivos editar atos que estabeleçam regras de governança às suas respectivas empresas públicas e sociedades de economia mista. Pergunta-se: e nos casos em que tais atos forem ou já tiverem sido regulamentados, em detrimento do que diz a Lei Federal? Esses atos anteriores ou que confrontem a legislação federal serão revogados? E a edição de normas se dará de forma automática?
Num segundo ponto, não se sabe ao certo se essa previsão contida no § 3º seria um poder (uma faculdade) ou um dever do Poder Executivo. A pergunta que não quer calar é: caso o Poder Executivo de um município, por exemplo, deixe de editar atos de governança de suas empresas públicas ou sociedades de economia mista, ou deixe de respeitar o prazo estabelecido pela Lei, de 180 dias, será possível impor alguma sanção à ele? Ou esse município apenas recairá na regra prevista no §4º do art. 1º que diz que a “não edição dos atos de que trata o §3º no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a partir da publicação desta Lei submete respectivas empresas públicas e sociedades de economia mista às regras de governança previstas no Título I desta Lei”? Porém, por outro lado, chama-se a atenção, aqui, para o fato de que o Título I da Lei não prevê nenhuma regra de governança, mas apenas traça, em linhas gerais, alguns requisitos de transparência e regras que devem ser abrangidos nas práticas de gestão de riscos e de controle interno. Assim como também estabelece determinadas práticas de governança e de dever de fiscalização quando as empresas públicas ou sociedades de economia mista, ou suas subsidiárias, não detiverem o controle acionário das empresas.
Ao que parece, a celeuma criada ao entorno dessa Lei e a abrangência da sua atuação (competência), assim como o prazo para sua regulamentação (edição de atos de governança corporativa pelo Poder Executivo), revela a mesma problemátiva vivenciada há pouco tempo, com a edição da Lei Anticorrupção, quando se discutiu a respeito da extensão da sua aplicabilidade e acerca da competência e autonomia dos entes federados, exigindo-se uma regulamentação coerente entre todos os entes da federação, de modo aprazado.
É certo, por outro lado, que a Lei 13.303/16 também previu questões importantes, esclarecendo que se submetem a tais regras as empresas que participem de consórcio, na condição de operadora, além das sociedades de propósito específico que sejam controladas por empresas públicas ou por sociedades de economia mista.
Com efeito, essa tentativa de se tentar aferir uma boa gestão também na esfera das empresas estatais é muito bem vista. Tanto que uma das formas se tentar obter uma boa gestão pública é por meio do Custeio Baseado em Atividades (ABC), com vistas a otimizar a alocação de recursos e fazer o controle da mensuração de custo dos serviços públicos, servindo como um instrumento eficaz na redução de desperdícios e no aumento da produtividade. Isso porque, o Custeio Baseado em Atividades mais se aproxima do custo real do serviço, computando-se custos diretos e indiretos de maneira bem detalhada.
No setor público verifica-se que a necessidade de uma boa administração é ainda maior, diante da exigência e fiscalização pela sociedade, que se fez crescente nos últimos anos, em que se verificou uma cobrança ainda maior pela prestação de serviços públicos de qualidade pela população, exigindo-se uma maior transparência nas atividades desenvolvidas pela Administração Pública, afastando-se o abuso de poder econômico e a prática de infrações e danos decorrentes dos atos dos agentes públicos (ou até privados), com o intuito, inclusive, de se evitar a perda do valor da empresa pública, como se pode observar em alguns casos recentes, diante dos problemas de corrupção.
Diretrizes essas, que estão intimamente ligadas à ideia de compliance, em que se tenta, por meio de medidas internas, prevenir ou minimizar riscos de violação à normas legais inerentes à atividade desenvolvida pela empresa.
A bem da verdade, o que se pretende com a implementação dessas regras de governança por meio da Lei 13.303/16 é a profissionalização dos envolvidos, dando enfoque às decisões a serem tomadas pela Diretoria e pelo Conselho de Administração da empresa e para que essas decisões sejam tomadas da forma mais transparente possível, com atingimento das metas financeiras, disseminando-se uma “nova cultura”.