Estudo revela que o Judiciário admite a exclusão de sócios em casos excepcionais, com base em argumentos recorrentes

Pesquisa coordenada pela sócia Maria Eduarda Ferreira Piccoli Tacla e julgados selecionados pelos acadêmicos de Direito Lucas Capovilla Borga Romano, Marcela Demeterco Ruaro, Nathalia Faili Queiroz, Natália Delai Biezus e Vitor Augusto Nichele.

1. Em pesquisa realizada nos repositórios de jurisprudência dos Tribunais de Justiça dos Estados do Paraná, São Paulo e do Rio Grande do Sul, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios e no Superior Tribunal de Justiça foi possível constatar interessantes resultados.

O estudo adotou como recorte temporal o período compreendido entre junho de 2019 e junho de 2024. A escolha desse intervalo teve por finalidade abranger um conjunto significativo e representativo de decisões judiciais proferidas ao longo de cinco anos, possibilitando uma análise abrangente e atualizada acerca da aplicação prática do instituto da exclusão judicial de sócio.

O objetivo central da pesquisa consistiu em investigar, com base em casos concretos extraídos da jurisprudência, a ocorrência e os fundamentos jurídicos invocados em pedidos de exclusão judicial de sócios. Especificamente, foram buscados os seguintes resultados: (i) em quantos casos os tribunais deferiram a exclusão do sócio, acolhendo o pedido formulado pelo autor da ação; e (ii) quais foram as principais condutas praticadas pelos sócios para justificar as decisões em que se entendeu pela possibilidade de exclusão.

Nesse sentido, foi buscada a identificação de padrões argumentativos ou entendimentos jurisprudenciais recorrentes, com o intuito de contribuir para a compreensão da efetividade, dos limites e das diretrizes práticas desse instrumento jurídico no contexto das relações societárias contemporâneas.

Para localizar os resultados almejados, foram indicados nos campos de busca dos sítios eletrônicos dos Tribunais os seguintes conectores: “exclusão” “falta grave” “justa causa” “dissolução” “affectio” “1.030” “1.085” “deliberação” “reconvenção”.

A busca nos tribunais estaduais e do Distrito Federal pôde ser realizada com base em termos repetitivos porque as ferramentas permitiam isso. Já no Superior Tribunal de Justiça (STJ), não foi possível utilizar o mesmo critério, pois a base de dados apresenta limitações quanto à padronização terminológica e à indexação das decisões. A diversidade de fundamentos e a ausência de uniformidade nas ementas dificultaram a filtragem por termos repetitivos, tornando necessária a análise individual de cada julgado para aferir sua relevância ao objeto do estudo.[1]

2. A seleção dos tribunais cujas decisões compuseram o objeto desta pesquisa — Tribunais de Justiça dos Estados do Paraná, de São Paulo, do Rio Grande do Sul, do Distrito Federal e Territórios, além do Superior Tribunal de Justiça (STJ) — foi pautada por critérios qualitativos e quantitativos que visam assegurar a relevância, a diversidade regional e a representatividade das decisões analisadas.

Os tribunais estaduais escolhidos pertencem a unidades federativas com forte densidade econômica, elevada atividade empresarial e volume expressivo de litígios societários, o que os torna especialmente significativos para o estudo do instituto da exclusão de sócio.

São Paulo, por exemplo, concentra parte significativa do setor empresarial brasileiro e apresenta jurisprudência consolidada e acessível sobre o tema. O Rio Grande do Sul e o Paraná, por sua vez, destacam-se pela qualidade técnica das decisões e pela frequência com que julgam matérias societárias, além de representarem diferentes regiões do país. Já o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios foi incluído por sediar o centro político-administrativo do Brasil, o que frequentemente resulta em decisões com repercussão institucional relevante.

A inclusão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) justifica-se por sua competência para uniformizar a interpretação do direito infraconstitucional em âmbito nacional, o que permite identificar entendimentos consolidados e precedentes vinculantes que orientam os tribunais estaduais e impactam diretamente a aplicação prática do Direito Societário em todo o país.

Dessa forma, a escolha dos tribunais procurou garantir um panorama plural e qualificado da jurisprudência nacional sobre o tema, conciliando critérios de relevância jurídica, diversidade geográfica e amplitude temática.

Conforme ilustram os gráficos abaixo colacionados, foram identificados os seguintes resultados:

Conforme se verifica dos gráficos acima, foram analisados 184 julgados. Desse total, em 74 casos (40%) a exclusão foi efetivamente acolhida, enquanto em 110 casos (60%) a Justiça entendeu que não havia falta grave suficiente para justificar a medida. A distribuição dos fundamentos e desfechos está representada por porcentagens no gráfico.

A pesquisa mostrou que, apesar de diversas alegações de falta grave, a exclusão do sócio não é acolhida na maioria dos casos. Isso indica uma tendência judicial de rigor na análise da gravidade da conduta e da necessidade de prova robusta para justificar a medida extrema de exclusão.

Entre os fundamentos acolhidos, a confusão patrimonial se destaca como o mais aceito, seguida por descumprimento de deveres sociais[2] e pela administração temerária/desidiosa.

3. A análise empreendida ao longo desta pesquisa permitiu constatar importantes aspectos sobre a aplicação prática do instituto da exclusão judicial de sócio nas decisões proferidas pelos tribunais selecionados entre os anos de 2019 e 2024. A partir do exame de 184 julgados, verificou-se que, em 60% dos casos, os pedidos de exclusão foram indeferidos, diante da ausência de comprovação de falta grave por parte do sócio demandado. Apenas em 40% dos processos houve acolhimento da pretensão excludente.

Esses dados revelam uma postura majoritariamente restritiva por parte do Poder Judiciário quanto à adoção da medida extrema da exclusão de sócio, privilegiando a preservação da estrutura societária e exigindo prova robusta e concreta da conduta faltosa. Tal rigor probatório reforça a compreensão de que a exclusão deve ser utilizada de forma excepcional, resguardando os princípios da boa-fé, da função social da empresa e da continuidade da atividade econômica.


[1] 2019 AgInt no REsp nº 1026339/RJ – Negado provimento – Não exclusão – LTDA – “falta grave” “exclusão” “justa causa” “1.030” AREsp nº 98990/RJ – Negado provimento – Não exclusão – LTDA – “falta grave” “exclusão” “justa causa”.

2021 AgInt no REsp nº 1520481/SP – Negado provimento – Não exclusão – LTDA – “exclusão” “justa causa” “dissolução”.

2022 AgInt no REsp nº 1913037/PE – Negado provimento – Não exclusão– LTDA- “falta grave” “exclusão” “deliberação”.

2023 AgInt no REsp nº 1640387/RJ – Negado provimento – Não exclusão– LTDA- “falta grave” “exclusão” “1.030” “deliberação”.

2024 REsp nº 2142834/SP – Negado provimento – Não exclusão – LTDA – “falta grave” “exclusão” “dissolução” “affectio” e AgInt no REsp nº 1596824/MG – Negado provimento – exclusão (anuência com a saída) – LTDA – “justa causa” “exclusão” “affectio”.

[2] Ao tratar do descumprimento de deveres sociais são analisados temas como não integralização do capital social, violação ao dever de probidade, violação ao dever de colaboração, rompimento recíproco da affectio, recusa em comparecimento de reuniões e assembleias deliberativas, bem como descumprimento das deliberações ali tomadas.

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