A jurisprudência sobre alimentos compensatórios no Superior Tribunal de Justiça

Por Eloise Caruso Bertol

Os alimentos compensatórios foram uma criação doutrinária que passou a ser incorporada na jurisprudência do país. Eles estão amparados nos princípios de equidade e solidariedade familiar, bem como no dever de mútua assistência entre cônjuges e companheiros. .[i] [ii] [iii]    

Seu objetivo, nas palavras de Maria Berenice Dias, é “[…] indenizar – por algum tempo ou para sempre – o desnível econômico que resulta da separação de fato, do divórcio ou do fim da união estável“.[iv] Conforme explica a autora, não se trata de igualar economicamente as partes, mas reduzir a desigualdade que se apresenta de forma brusca, em decorrência da alteração do padrão de vida de um dos cônjuges pela separação. 

O conceito não se confunde com o de alimentos transitórios ou temporários, que “[…] se aplicam a ex-cônjuges, com vistas a suportar sua reinserção no mercado de trabalho no momento posterior à dissolução do vínculo conjugal”[v], ou mesmo com a definição de alimentos ressarcitórios, que tratam justamente do ressarcimento, ao ex-cônjuge ou companheiro, do patrimônio em comum que ficou na administração exclusiva de uma das partes.

Em realidade, conforme explica Rolf Madaleno, responsável por trazer o tema ao Brasil, a verba compensatória não possui caráter alimentar, pois o credor pode, inclusive, auferir renda, já que ela se destina a restabelecer um equilíbrio econômico decorrente da dissolução conjugal, e tampouco se trata de uma indenização propriamente dita, já que não decorre da culpa pelo encerramento do vínculo[vi].

Tendo isso em vista, verificou-se uma confusão conceitual na jurisprudência pátria, que muitas vezes, aplica as modalidades supracitadas de forma equivocada. Dessa forma, em 2023, em acórdão de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, o STJ buscou explicar o instituto dos alimentos compensatórios, nos seguintes termos: [vii]

2. Os alimentos compensatórios são fruto de construção doutrinária e jurisprudencial, fundada na dignidade da pessoa humana, na solidariedade familiar e na vedação ao abuso de direito. De natureza indenizatória e excepcional, destinam-se a mitigar uma queda repentina do padrão de vida do ex-cônjuge ou ex-companheiro que, com o fim do relacionamento, possuirá patrimônio irrisório se comparado ao do outro consorte, sem, contudo, pretender a igualdade econômica do ex-casal, apenas reduzindo os efeitos deletérios oriundos da carência social.

3. Apesar da corriqueira confusão conceitual, a prestação compensatória não se confunde com os alimentos ressarcitórios, os quais configuram um pagamento ao ex-consorte por aquele que fica na administração exclusiva do patrimônio, enquanto não há partilha dos bens comuns, tendo como fundamento a vedação ao enriquecimento sem causa, ou seja, trata-se de uma verba de antecipação de renda líquida decorrente do usufruto ou da administração unilateral dos bens comuns. (grifou-se)

Ao longo do acórdão, é mencionada a divergência doutrinária sobre o tema, já que há autores que criticam a adoção da categoria no ordenamento brasileiro, especialmente ante a falta de expressa previsão legislativa. A despeito disso, os alimentos compensatórios já vinham sido admitidos pelo STJ desde, pelo menos, 2014, conforme julgado que os estabeleceu[viii]:

5. Os chamados alimentos compensatórios, ou prestação compensatória, não têm por finalidade suprir as necessidades de subsistência do credor, tal como ocorre com a pensão alimentícia regulada pelo art. 1.694 do CC/2002, senão corrigir ou atenuar grave desequilíbrio econômico-financeiro ou abrupta alteração do padrão de vida do cônjuge desprovido de bens e de meação. (grifou-se)

Esclarece-se, ainda, no RESP nº 1.954.452/SP, que os alimentos compensatórios não se confundem com a responsabilidade civil entre cônjuges, “[…] a qual tem como ponto central da discussão saber se é possível a condenação do consorte responsável pelo fim do matrimônio à reparação dos danos materiais e morais suportados pelo cônjuge inocente”.

Em abril de 2024, foi aprovado o relatório final do anteprojeto de reforma do Código Civil, que pretende atualizar a legislação civilista. Dentre as alterações, encontra-se a inclusão de um capítulo voltado aos alimentos compensatórios, com a inserção dos artigos 1.709-A a C, que passam a expressamente dispor sobre o tema. Além de a falta de pagamento não ensejar a prisão civil do devedor, os dispositivos legais passam a prever que:

Art. 1.709-A. O cônjuge ou convivente cuja dissolução do casamento ou da união estável produza um desequilíbrio econômico que importe em uma queda brusca do seu padrão de vida, terá direito aos alimentos compensatórios que poderão ser por prazo determinado ou não, pagos em uma prestação única, ou mediante a entrega de bens particulares do devedor.

Art. 1.709-B. O cônjuge ou convivente, cuja meação seja formada por bens que geram rendas, e que se encontrem sob a posse e a administração exclusiva do seu parceiro, poderá requerer que lhe sejam pagos mensalmente pelo outro consorte ou convivente, parte da renda líquida destes bens comuns, a título de alimentos compensatórios patrimoniais, e que serão devidos até a efetiva partilha dos bens comuns.

Atualmente, ainda que majoritária a aplicação dos alimentos compensatórios na jurisprudência, a ausência de previsão legal gera insegurança jurídica, tendo em vista que seus critérios de aplicação ficam ao arbítrio de cada julgador.


[i] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 16. ed. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023.

[ii] Código Civil: Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: III – mútua assistência.

[iii] Código Civil: Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

[iv] DIAS, Maria Berenice. Alimentos aos bocados – Direito, Ação, Eficácia e Execução. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023. p. 129.

[v] DIAS, Maria Berenice. Alimentos aos bocados – Direito, Ação, Eficácia e Execução. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023. p. 129.

[vi] TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Fundamentos do direito civil: direito de família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024. p. 352.

[vii] STJ, REsp n. 1.954.452/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 22/6/2023.

[viii] REsp n. 1.290.313/AL, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 12/11/2013, DJe de 7/11/2014.

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