Lei nº 14.713/2023: o que a nova norma muda na atribuição da guarda compartilhada?

Por Eloise Caruso Bertol

A guarda dos filhos é regulamentada, principalmente, pelo Código Civil[1], que sofreu algumas modificações desde sua atualização de 2002, visando garantir o cumprimento do dever de cuidado pelos genitores e o atendimento ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (art. 227, Constituição Federal)[2].

 Em seu texto original, o Código Civil previa que a guarda seria definida a partir do acordo entre os cônjuges no caso de separação judicial ou divórcio, desde que consensuais[3]. Quando não houvesse acordo, ela seria atribuída, pelo magistrado, a quem tivesse as melhores condições para exercê-la[4].

Com a promulgação da Lei nº 11.698/2008, a guarda foi dividida em duas modalidades, unilateral e compartilhada[5], que poderiam ser definidas a partir (i) do requerimento consensual entre os genitores ou (ii) da análise do juiz no caso concreto[6].

Enquanto a forma unilateral foi definida como a atribuição da responsabilidade de cuidado a apenas um dos genitores, ou alguém que o substitua (caso o juiz verifique que os pais não tem condição de exercê-la), a guarda compartilhada previu a responsabilização conjunta e o exercício de direitos por ambos os pais, a despeito de não morarem na mesma residência[7].

Apesar de a referida Lei ter descrevido detalhadamente a modalidade da guarda unilateral, mencionando os requisitos para sua atribuição e o dever de fiscalização do genitor que não recebeu essa incumbência, também determinou que, como regra, deve ser aplicada a guarda compartilhada no caso de não existir consenso entre os pais (art. 1.584, § 2º, do Código Civil)[8].

Em seguida, por meio da Lei nº 13.058/2014, passou-se a regular de forma mais ampla a guarda compartilhada, priorizando-se a divisão igualitária de deveres entre os genitores e o melhor interesse do filho[9]. Incluiu-se, ainda, uma exceção ao § 2º supracitado, na qual, quando um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda, não se deve aplicar a modalidade compartilhada, mantendo-se a unilateral[10].

Foi esse mesmo parágrafo que sofreu nova modificação, agora pela Lei 14.713/2023. A alteração consiste no acréscimo de mais uma exceção à guarda compartilhada como regra: ela não será aplicada “[…] quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar”.

A Lei também adicionou o artigo 699-A ao Código de Processo Civil, por meio do qual, “nas ações de guarda, antes de iniciada a audiência de mediação e conciliação de que trata o art. 695 deste Código, o juiz indagará às partes e ao Ministério Público se há risco de violência doméstica ou familiar, fixando o prazo de 5 (cinco) dias para a apresentação de prova ou de indícios pertinentes”.

O art. 1.586 do Código Civil já previa que, havendo motivos graves, o juiz pode regular a guarda de forma diferente da prevista nos dispositivos mencionados[11]. Todavia, a nova alteração dispõe expressamente que, existindo mera probabilidade ou indício de violência doméstica, não se deve atribuir a guarda ao genitor acusado.

Isso significa que não há necessidade de existir uma investigação no âmbito criminal para que a responsabilidade de cuidado com o filho seja limitada. Inclusive, uma das justificativas para a proposta da Lei foi justamente trazer à luz situações de violência no âmbito familiar que não haviam sido verificadas.[12]

A inserção da referida exceção gerou divergências quanto aos seus resultados práticos. Isso porque, ainda que não seja atribuída a guarda ao genitor acusado de violência doméstica, a possibilidade de convivência continua existente. Dito de outra forma, retira-se a responsabilidade sobre as decisões básicas da vida do filho, mas não o convívio.

Frisa-se que a guarda não se confunde com o regime de convivência familiar, que não é necessariamente livre, ainda que o Código Civil preveja a divisão igualitária de tempo entre os pais, sempre que possível.[13]

Dois possíveis desdobramentos dessa alteração são a concentração da responsabilidade de cuidados e possível sobrecarga em uma só pessoa – geralmente a mãe – ou mesmo a acusação de práticas de alienação parental, já que a nova Lei não exige prova da violência.

Por outro lado, a norma é elogiável no sentido de priorizar a segurança de crianças e adolescentes, indivíduos mais vulneráveis na relação familiar[14], especialmente diante do grande índice de violações de direitos no âmbito doméstico.[15]


[1] Menciona-se também a importância da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e Adolescente) na promoção do melhor interesse dos filhos, mediante educação e sustento por parte dos genitores, além da transmissão de valores, como previsto nos arts. 22 e 33 do ECA.

[2] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).

[3] Código Civil de 2002 (texto original): Art. 1.583. No caso de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por mútuo consentimento ou pelo divórcio direto consensual, observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos.

[4]  Código Civil de 2002 (texto original): Art. 1.584 Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la.

[5] Lei nº 11.698/2008: Art. 1.583.  A guarda será unilateral ou compartilhada.

[6] Lei nº 11.698/2008: Art. 1.584.  A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;

II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.

[7] Lei nº 11.698/2008: Art. 1.583.  § 1o  Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.

[8] Lei nº 11.698/2008: Art. 1.584.  § 2o  Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.

[9] Lei nº 13.058/2014: 1.583. § 2º Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.

[10] Lei nº 13.058/2014: 1.584. § 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

[11] Código Civil: Art. 1.586. Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais.

[12] Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/136476. Acesso em: 12 dez. 2023.

[13] TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Fundamentos do direito civil: direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023. E-book. p. 343.

[14] Nesse sentido: “Os filhos menores e incapazes são naturalmente frágeis, indefesos e vulneráveis, carecendo, portanto, de uma especial proteção que passa pela presença física, psicológica e afetiva dos pais, sendo esses os principais pressupostos da responsabilidade parental”. MADALENO, Rolf. Direito de família. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023. E-book. p. 483.

[15] Ver mais em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2021/julho/81-dos-casos-de-violencia-contra-criancas-e-adolescentes-ocorrem-dentro-de-casa.

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