por Isabella Bittencourt Mäder Gonçalves Giublin
Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil, que, no caso em exame, revelou-se por meio de ação de ressarcimento movida pela União em face de empresa de transporte rodoviário e do motorista a ela vinculado, tendo por fundamento a responsabilidade civil decorrente de acidente automobilístico, causador de suposto prejuízo material ao patrimônio público.
Sendo assim, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o prazo prescricional para que a Fazenda Pública pudesse mover ação contra terceiro que praticou o ato é de cinco anos.
No debate do julgamento, ficou claro que não se discutiu ali, nas palavras do Min. Dias Toffoli, “a prescritibilidade – ou não – das pretensões sancionatórias pela prática de atos de improbidade administrativa, dos ilícitos penais que impliquem prejuízos ao erário, ou, ainda, das demais hipóteses de atingimento do patrimônio estatal”.
Embora a questão tivesse sido bastante controversa a respeito do alcance do disposto no art. 37, § 5º, da Constituição Federal – que trata dos prazos de prescrição dos ilícitos praticados por agentes públicos –, principalmente pelo fato de aquele processo ter sido recebido como repercussão geral para, a rigor, tratar do alcance do artigo 37, §5º, da Constituição Federal, naquele julgamento afastou-se a prescrição das ações de ressarcimento ao erário decorrente de improbidade administrativa, pois, segundo palavras do Ministro Gilmar Mendes, o caso trata-se de um “obiter dictum”, em que a parte da decisão recebida como repercussão geral não tem vinculação com o caso. Ou seja, o alcance da imprescritibilidade e, pois, do artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, refere-se a argumentos expendidos para complementar o raciocínio da decisão, mas que não detém papel fundamental na formação do julgado. Trata-se, portanto, de um argumento acessório e a supressão dessa tese do alcance do dispositivo constitucional (considerado obiter dictum) não prejudica o comando da decisão, cujo caso refere-se a ilícito civil, e não a improbidade administrativa ou ilícito penal.
O relator do caso, o Ministro Teori Zavaski – embora de início pretendesse julgar o caso da forma como o recurso fora recebido, a tratar do sentido e do alcance do disposto na parte final do artigo 37, §5º, da Constituição Federal, e não apenas da tese objeto de discussão (acidente automobilístico) –, reconheceu em sua fundamentação que não se pode conferir o amplíssimo sentido ao texto constitucional, pois a imprescritibilidade acabaria abrangendo toda e qualquer ação de ressarcimento movida pelo erário, desde as execuções fiscais até outras fundadas em ilícitos civis que não decorrem de dolo ou culpa, o que, de fato, não faria qualquer sentido diante do ordenamento constitucional.
Segundo o Ministro Luís Roberto Barroso, em princípio, “não tenho simpatia pela tese da imprescritibilidade” em relação, também, às ações decorrentes de improbidade administrativa.
Também naquele julgamento o Ministro Dias Toffoli manifestou-se no seguinte sentido “não estou a afirmar que, em todas as situações em que houver improbidade administrativa, as ações de ressarcimento serão imprescritíveis, pois, como salientei, há a necessidade de realizarmos um profundo debate sobre o conteúdo jurídico do dispositivo constitucional, bem como de cotejarmos a segurança jurídica e o interesse público. Entretanto, penso não ser este o momento nem o caso para tal debate.”, constatando que, de fato, não existe um consenso ainda no Tribunal quanto à questão da improbidade.
Logo em seguida à publicação desse acórdão (RE 669.069/MG), enfim, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral em outro recurso (RE 852.475/SP), que trata da prescrição das ações de ressarcimento ao erário decorrente de ato de improbidade administrativa.
Esse caso, agora aguardando julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, trata de ação civil pública por improbidade administrativa em que o prefeito de uma cidade do interior de São Paulo e agentes públicos daquele município teriam participado de procedimento licitatório com alienação de bens com preço abaixo do valor de mercado.
Nesse caso, o Ministério Público pleiteou na ação a aplicação das sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, além do pedido de ressarcimento de danos ao erário.
O Tribunal de origem havia declarado a prescrição da pretensão de ressarcimento aos agentes públicos, entendendo que a Lei de Improbidade Administrativa dispõe que a pretensão de impor sanções de natureza disciplinar prescreve em cinco anos a contar das infrações puníveis com demissão, contados a partir de quando o fato se tornou conhecido.
E como a questão acerca da pretensão de ressarcimento ao erário de ato decorrente de improbidade administrativa ainda não foi objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, o recurso foi recebido especificamente para esse fim, para que o Tribunal se pronuncie a respeito do ilícito de improbidade, ao contrário do que havia ocorrido com o recurso anterior, que tratava de ilícito de natureza civil.
Resta, agora, aguardar por definitivo uma decisão da Corte Suprema sobre o assunto, mas, de antemão, já se sabe que da forma como a questão redundou o julgamento do RE 669.069/MG, será uma tarefa bastante controvertida, principalmente pelo fato de que até há pouco tempo atrás, entendia-se que as ações dessa natureza eram imprescritíveis, mas que, após muita discussão nos demais Tribunais do país, é clara uma inclinação de se reconhecer a prescritibilidade das ações de ressarcimento fundadas na improbidade administrativa.